Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
Celebramos neste final de semana, o primeiro domingo de novembro, a Solenidade de Todos os Santos, no Brasil transferida do dia 1º, que nos faz saborear a alegria de participar da grande família dos amigos de Deus ou, como escreve São Paulo, de “tomar parte na herança dos santos na luz” (Cl 1, 12). É um convite para elevarmos os olhos ao Céu e meditarmos sobre a plenitude da vida divina que nos espera. Iniciamos o mês, nesta primeira semana, contemplando a eternidade.
“Já nos perguntamos para que servem o nosso louvor aos santos, o nosso tributo de glória, esta nossa solenidade?” Com esta interrogação tem início uma famosa homilia de São Bernardo para o dia de Todos os Santos. É uma pergunta que se poderia fazer também hoje. E atual é inclusive a resposta que o Salmo nos oferece, pois, os nossos santos dizem não têm necessidade das nossas honras, e nada lhes advém do nosso culto. Por minha vez, devo confessar que, quando penso nos santos, sinto-me arder de grandes desejos. Eis, portanto, o significado da Solenidade hodierna: contemplando o exemplo luminoso dos santos, despertar em nós o grande desejo de ser como os santos: felizes por viver próximos de Deus, na luz, na grande família dos amigos de Deus. Ser santo significa: viver na intimidade com Deus, viver na sua família. Esta é a vocação de todos nós, reiterada com vigor pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, Capítulo V da Lumen Gentium, números 39 ao 42.
No início do cristianismo, os membros da Igreja eram chamados também de santos. Na Primeira Carta aos Coríntios, por exemplo, São Paulo dirige-se “aos que foram santificados no Cristo Jesus, chamados a serem santos, junto com todos os que, em qualquer lugar, invocam o nome Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1Cor1,2). De fato, o cristão já é santo, porque o Batismo o une a Jesus e ao seu Mistério Pascal, mas deve ao mesmo tempo tornar-se santo, conformando-se cada vez mais intimamente com Ele. Às vezes, pensa-se que a santidade seja uma condição de privilégio reservada a poucos. Na realidade, tornar-se santo é tarefa de cada cristão, aliás, poderíamos dizer, de cada homem! O apóstolo escreve que Deus nos abençoou sempre e nos escolheu em Cristo “para sermos santos e imaculados diante dos seus olhos” (Ef 1,4).
Portanto, todos os seres humanos são chamados à santidade que, em última análise, consiste em viver como filhos de Deus, naquela semelhança com Ele segundo a qual foram criados. Todos os seres humanos são filhos de Deus, e todos devem tornar-se aquilo que são, através do caminho exigente da liberdade. Deus convida a todos a fazer parte do seu povo santo. O Caminho é Cristo, o Filho, o Santo de Deus: ninguém chega ao Pai senão por meio d’Ele (Jo 14,6).
Como podemos tornar-nos santos, amigos de Deus? A esta interrogação pode-se responder, antes de tudo, de forma negativa: para ser santo não é necessário realizar ações nem obras extraordinárias, nem possuir carismas excepcionais. Depois, vem a resposta positiva: é preciso, sobretudo, ouvir Jesus e depois segui-Lo sem desanimar diante das dificuldades. O exemplo dos santos constitui para nós um encorajamento a seguir os mesmos passos, a experimentar a alegria daqueles que confiam em Deus, porque a única verdadeira causa de tristeza e de infelicidade para o homem é o fato de viver longe de Deus.
Nos santos vemos a vitória do amor sobre o egoísmo e sobre a morte: vemos que seguir Cristo conduz à vida, à Vida Eterna, e dá sentido ao presente, a cada momento que passa, porque o enche de amor, de esperança. Só a fé na Vida Eterna nos faz amar deveras a história e o presente, mas sem se prender, na liberdade do peregrino, que ama a Terra porque tem o coração no Céu. A santidade exige um esforço constante, mas é possível para todos porque, mais do que uma obra do homem, é sobretudo um dom de Deus, três vezes Santo (Is 6, 3). A santidade – imprimir Cristo em si mesmo – é a finalidade de vida do cristão.
Nossa vocação comum é para a Santidade! É o que nos atesta São Paulo: “Nele, Deus nos escolheu, antes da fundação do mundo, para sermos santos e íntegros diante dos seus olhos, no amor” (Ef 1, 4). “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Tes. 4, 3).
A Igreja convida-nos, hoje, a pensar naqueles que, como nós, passaram por este mundo lutando com dificuldades e tentações parecidas às nossas, e venceram. É essa grande multidão que ninguém poderia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, como nos fala São João em Apocalipse (7, 2-14). Todos estão marcados na fronte, revestidos de vestes brancas, lavados no Sangue do Cordeiro (Ap 7, 4). A marca e as vestes são símbolo do batismo, que imprime no homem, para sempre, o caráter da pertença a Cristo, e a graça renovada e aumentada pelos sacramentos e pelas boas obras.
Hoje, festejamos e pedimos ajuda à multidão incontável que alcançou o Céu depois de ter passado por este mundo semeando amor e alegria quase sem terem consciência disso; recordamos aqueles que, enquanto estiveram entre nós, se ocuparam talvez num trabalho semelhante ao nosso: empregados de escritório, comerciantes, empregadas domésticas, professores, secretárias, enfermeiros, médicos, administradores hospitalares, cuidadores de idosos, trabalhadores da cidade e do campo. Lutaram com dificuldades parecidas às nossas e tiveram que recomeçar muitas vezes, como nós procuramos fazer.
Somos, ainda, a Igreja peregrina que se dirige para o Céu; e, enquanto caminhamos, temos de reunir esse tesouro de boas obras com que um dia nos apresentaremos a Deus. Ouvimos o convite do Senhor: Se alguém quer vir após Mim… Todos fomos chamados à plenitude da vida em Cristo. O Senhor chama-nos numa ocupação profissional, para que ali o encontremos, realizando as nossas tarefas com perfeição humana e, ao mesmo tempo, com sentido sobrenatural: oferecendo a Deus, vivendo a caridade com os nossos colegas, praticando a mortificação de um trabalho perfeitamente terminado, procurando já aqui na terra o rosto de Deus, a quem um dia veremos face a face.
No centro da assembleia dos Santos, resplandece a Virgem Maria, a criatura mais humilde e alta. Colocando a nossa mão na sua, sentimo-nos animados a caminhar com mais ímpeto pelo caminho da santidade.
No Céu, espera-nos a Virgem Maria, Rainha dos Santos, para estender-nos a mão e levar-nos à presença do seu Filho e de tantos seres queridos que ali nos aguardam.
Fonte: Site CNBB