Dom Aloísio Alberto Dilli
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
Caros Irmãos e queridas Irmãs. Quando completamos mais um ano de vida ou celebramos a virada de ano novo agradecemos a Deus pela graça de existirmos, de sermos seus filhos/filhas, por tudo o que somos e temos. Não nos esquecemos de pedir por saúde e por longa vida. Junto com tudo isso o pensamento também se volta para uma avaliação do nosso viver passado e presente e tentamos projetar o futuro com esperança, mesmo com as normais incertezas que a vida nos traz. Enfim, entramos na categoria do tempo. Então nos damos conta que os anos passam e que cada dia ou ano vivido, bem ou mal, não volta mais. O dia seguinte é sempre uma nova jornada de esperança, que nos traz oportunidades, talvez ainda não vividas. É o misterioso tempo que nos é dado viver, em que estamos sujeitos a nossa condição humana mortal e finita. Como dizem Ansel Grün e Friedrich Assländer no livro Administração Espiritual do Tempo: “Somente a consciência da morte torna a vida uma oportunidade única e valiosa” (p. 244). Para Deus, que está acima do tempo, existe a eternidade, o infinito, a vida para sempre. Ele, na sua imensa bondade, quis nos fazer participantes do seu modo de ser, enviando seu Filho Jesus Cristo no tempo de nossa história, como celebramos no Natal: o Verbo, a Palavra assumiu nossa condição e se fez semelhante a nós em tudo, menos no pecado. Pelo mistério da encarnação, Deus entrou na nossa condição humana limitada para elevá-la à condição divina. O grande projeto de Deus é fazer-nos participantes de sua vida divina, para vivermos sempre à sua imagem e semelhança. Ele entra no tempo por nós. E nós temos tempo para Ele e tempo para os outros?
É aqui que entra a liberdade humana, tão sagrada, que o próprio Deus a respeita. Assim o ser humano pode resistir ou aderir a Deus. Para que isso não nos pareça demais teórico, olhemos a vida do bispo S. Agostinho (séc. V), um dos maiores sábios da humanidade, convertido pelas lágrimas orantes de sua mãe, Santa Mônica. Depois de levar vida desregrada, com muito tempo perdido, longe de Deus, Agostinho percebeu seu coração tocado pelo Senhor da vida e do tempo. Em seus Livros das Confissões, ele escreve: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Estavas dentro e eu te procurava fora. Precipitava-me disforme sobre as coisas formosas que fizeste. Estavas comigo, mas eu não estava contigo. As criaturas retinham-me longe de ti, aquelas que não existiriam se não estivessem em ti. Chamaste e gritaste e rompeste a minha surdez. Cintilaste, resplandeceste e afugentaste minha cegueira. Exalaste perfume, aspirei-o e anseio por ti. Provei, tenho fome e tenho sede. Tocaste-me e abrasei-me no desejo de tua paz. Quando me uno a ti com todo o meu ser, não há em mim dor nem fadiga. Viva será minha vida, toda repleta de ti”. Depois desta descoberta de Deus em sua vida, quando o encontro do humano com o divino tornou-se realidade de comunhão para Santo Agostinho, como para tantos outros santos e santas, o tempo Kronos (medido em horas, dias, anos…) tornou-se Kairós (tempo de salvação), tempo de convivência com Deus e com os outros, tempo espiritual, tempo que eterniza.
E nós, como passamos ou vivemos o tempo? Ele é ainda simples soma de horas, dias, anos que passam e que fogem irreversivelmente de nosso controle; ou o tempo está ligado apenas ao sucesso, à eficácia, em que é preciso ganhar tempo na base da aceleração, fazendo mais em menos espaço cronológico, em que carros têm que ser mais velozes, computadores mais rápidos, diálogos mais curtos; ou já entramos no tempo de Deus, tempo de salvação, que vai eternizar-nos junto a Ele? Enfim, nossa vida, nosso sucesso, nossa felicidade dependem muito de como lidamos com o tempo.