A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) protocolou dia 16 de setembro, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), um pedido de “amicus curiae” na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 655) que questiona a regressividade do sistema tributário do Brasil. O pedido de “amigo da corte” está sendo apreciado pela relatora ministra Cármem Lúcia.
A ADPF foi protocolada na Suprema Corte no dia 3 de março deste ano peal Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), com apoio da Oxfam Brasil e do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu). Fruto da ideia do presidente do Conselho da Oxfam Brasil, presidente emérito do Instituto Ethos e coordenador do programa Cidades Sustentáveisde, Oded Grajew, e de um estudo da professora Eloísa Machado, da Fundação Getúlio Vargas, a ADPF é uma medida judicial que questiona sistemicamente a forma como são cobrados e de quem são cobrados os impostos no Brasil.
A arguição pede ao Supremo “o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional do sistema tributário brasileiro”, em razão de ações e/ou omissões dos Poderes Executivo e Legislativo. A peça defende que as desonerações indiscriminadas, a excessiva carga de impostos sobre o consumo e a tributação insuficiente de altas rendas, grandes fortunas e heranças produziram uma distorção na cobrança de impostos, que o sistema tributário do país fomenta as desigualdades e sabota os objetivos fundamentais da República brasileira.
De acordo com o advogado Melillo Dinis, do escritório Melillo & Advogados, responsável pelo caso em nome da CNBB, o momento do controle da constitucionalidade, motivo da ADPF, não poderia ser mais relevante, por conta do debate sobre a reforma tributária em curso no Congresso Nacional. “A CNBB decidiu ingressar para contribuir com o debate sobre o sistema tributário e os desafios brasileiros, especialmente as desigualdades sociais e regionais”, disse.
Para dom Walmor, a desigualdade social na sociedade brasileira é uma ferida que requer tratamento adequado e urgente, exigência cidadã. Ele reforça que é necessário ter presente que a superação da desigualdade social é dever do Estado, conforme determina a Constituição FederArtigo 3º, é urgente, e deve incidir radicalmente no atual sistema tributário, que penaliza os mais pobres e privilegia quem tem mais. Isto não significa apenas simplificar o sistema tributário”, afirmou.
O presidente da CNBB afirmou que é de conhecimento de todos que hoje, quem ganha mais paga menos tributos. Já os mais empobrecidos, segundo ele, são sacrificados com pesada carga tributária, uma injustiça que faz crescer a pobreza no País.
“É preciso mudar o sistema tributário, superando dinâmicas que acentuam a desigualdade e ferem a dignidade humana. Trabalhar para essa mudança é compromisso cidadão e, especialmente, dever cristão, pois quem verdadeiramente é discípulo de Cristo não pode se acomodar diante de injustiças, de realidades que desconsideram a sacralidade de cada pessoa. É hora de se dar um novo passo para se avançar na justiça social e na solidariedade”, afirmou o arcebispo de Belo Horizonte.
O que pede a ADPF à Suprema Corte
A peça foi elaborada pela professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas, a advogada Eloísa Machado, do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu). A argumentação questiona o atual sistema tributário, que cobra proporcionalmente mais de quem ganha menos, promovendo, assim, desigualdade social.
De acordo com o artigo 3º da Constituição Federal, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Com base nisso, a ADPF pede que o STF determine que os poderes Legislativo e Executivo orientem mudanças pela igualdade tributária a fim de cessar esta inconstitucionalidade do sistema tributário brasileiro.
Pedidos
O objetivo da ADPF não é fazer uma reforma tributária pelo STF. O centro do controle constitucional proposto é estabelecer parâmetros e critérios. Assim, a ADPF pede que o STF:
• reconheça que a regressividade do sistema tributário brasileiro cria um estado de coisas inconstitucional;
• determine ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo a elaboração de uma proposta de reforma constitucional tributária que resulte num sistema tributário progressivo em substituição ao atual, profundamente regressivo;
• e, que seja feita uma reavaliação das renúncias e desonerações tributárias concedidas, para medir seu impacto na regressividade e sua a eficiência no estímulo aos respectivos setores produtivos.
“Como há uma Comissão Mista para analisar propostas de reforma tributária, a ação pede que seja dada uma medida liminar para, desde já, impor ao Congresso Nacional o dever de corrigir a regressividade do sistema tributário brasileiro”, comenta a advogada da ação, Eloísa Machado.
Distorções do Sistema Tributário do Brasil
A advogada Eloísa Machado informou que o STF tem se pronunciado em uma série de julgamentos que consideram tributos isoladamente, a exemplo da progressividade de alíquotas do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) e do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU). “O Supremo Tribunal Federal tem se debruçado sobre a isonomia nas relações tributárias. Porém, este é um valor a ser buscado não só na concepção e aplicação de um determinado tributo, mas de todo o sistema”.
As alíquotas favorecem os mais ricos. Em 1988, por exemplo, o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) taxava mais progressivamente as altas rendas, com alíquotas que chegavam a 45%, e não tratava tão assimetricamente as rendas do trabalho e as do capital. Hoje, o IRPF tem uma alíquota máxima de 27,5% e não incide sobre os lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas, reduzindo-se a um imposto sobre salários. Por outro lado, a hipertributação sobre o consumo reforça a condição do Brasil de um dos países mais desiguais do mundo, uma vez que onera desproporcionalmente os mais pobres, em favor dos mais ricos. Atualmente, cerca de 50% da carga tributária do Brasil estão em impostos sobre o consumo, enquanto a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 32,4%.
No Brasil, o IRPF é dividido em cinco faixas de renda agregando pessoas com níveis muito diferentes de renda em um mesmo grupo. Com isso, cria-se ainda mais desigualdades, já que quanto maior a renda em salários mínimos maior a participação da renda isenta. Por exemplo, quem declara renda superior a 240 salários mínimos mensais chega a ter 70% da renda isenta e não tributável, ao passo em que aqueles que ganham entre três e cinco salários mínimos têm pouco mais de 10% da renda isenta e não tributável.
Uma reforma tributária, defendem os formuladores da ADPF, seria capaz de tirar o país do ranking dos países mais desiguais do mundo. Trata-se de escolhas políticas que são feitas por governantes, legisladores e pela sociedade. O sistema tributário é ferramenta fundamental para corrigir desigualdades, distorções e equilibrar o peso das contas do país.